O Retratista dos Escritores

Por Emiliano Urbim

Publicado na
Revista Época, 27/09/2018

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Ninguém quer sair mal na foto, especialmente naquela que estará na contracapa de seu próprio livro. Samir Machado de Machado, por exemplo, chegou a evitar doces antes de posar para o retrato na contracapa de Tupinilândia (Todavia), seu quarto romance. A ansiedade aumentou quando soube que seria clicado por Renato Parada. “Quando a editora o chama, a sensação é que se chegou a um ponto da carreira semelhante a sair numa Caras de literatura brasileira”, disse o escritor gaúcho. A foto foi marcada em São Paulo, no apartamento em que Machado estava hospedado, mas Parada, insatisfeito, levou o autor a passear pelo bairro. Enquanto testavam paredes variadas, falaram sobre o livro de Machado, sua autointitulada “resting bitch face”, retratos de idosos... E o escritor relaxou. Voltaram ao apartamento e lá foi feita a imagem que está no livro. O modelo resume: “É sempre um esforço me deixar à vontade, e acho que ele conseguiu”. 

Desde que veio do interior de São Paulo para a capital, há dez anos, Renato Parada se especializou em deixar autores à vontade. Começando com a foto do amigo Daniel Galera para o livro Cordilheira, em 2008, o fotógrafo de 37 anos fez cerca de 250 sessões com aproximadamente 200 escritores. Isso inclui boa parte dos brasileiros contemporâneos, ícones saudosos como Ferreira Gullar e Antonio Candido, e estrangeiros de passagem pelo país, como Enrique Vila-Matas, Ian McEwan e até o diretor alemão Werner Herzog. Entre seus clientes estão o Grupo Companhia das Letras, Todavia, Editora 34, Planeta, Record, Rocco, Globo Livros, LeYa e Ática. O fotógrafo se exime de comentar a preferência. Mas comenta sua abordagem. “Tento não ser chato. Ser fotografado é sofrido para muitas pessoas. Tendo isso em mente, tento apontar a câmera poucas vezes”, disse Parada, que afirmou evitar expressões faciais comuns. “Triste, feliz, confiante, tenso... Isso me incomoda. Tento captar a lacuna entre as várias máscaras que vestimos.” 

Um dos fotógrafos em que Parada busca referências é Bob Wolfenson, que também usa o preto e branco e retrata notáveis. Avaliando o portfólio de Parada, Wolfenson diz: "Vejo nas fotos  dele um silêncio, quase uma não ação, quase uma não luz (no bom sentido). Um à espera do que possa a vir rolar deste encontro que ocorre num set fotográfico de retratos."

Presidente do Grupo Companhia das Letras, Luiz Schwarcz disse que as qualidades de Parada vão além das fotos. “Além de ótimo fotógrafo, é um grande leitor. Essa disposição para se aproximar das obras e dos autores é um trunfo significativo”, afirmou Schwarcz. “Vale ressaltar que ele tem temperamento discreto, delicado, não coloca o ego na frente do que faz. Um pouco como um editor tem de ser.” 

A literatura chegou a Parada antes da fotografia. Nascido em 1981 em São Joaquim da Barra, São Paulo, mais velho de três irmãos, o estudante relapso e solitário se encontrou lendo os blogs de novos autores. Enquanto fazia cursinho em Ribeirão Preto — primeiro para engenharia, depois jornalismo, que acabou cursando em Campinas —, entrou em contato com a turma do fanzine eletrônico CardosOnline, o COL, que agregava a jovem cena literária de Porto Alegre. De lá para cá, a proximidade com as letras se manteve: quando veio para São Paulo, em 2008, foi morar na Vila Madalena, ao lado da Mercearia São Pedro, bar frequentado por escritores e editores. 

“Fazer fotos era um hobby, não pensava em viver daquilo. Para mim, fotógrafo era o cara que registrava aniversários, eventos familiares, casamentos, festas de que nunca gostei”, recordou Parada. O interesse “um pouco mais sério” veio depois de encontrar À propos de Paris, de Henri Cartier-Bresson. Sem dinheiro para o livro, o estudante passou meses voltando à livraria para contemplar suas páginas por longos períodos. Após dois anos de uma experiência frustrada como editor em Campinas, Parada decidiu dedicar- se totalmente ao que já deixara de ser passatempo. Seu trabalho de conclusão de curso no jornalismo foi um livro de fotografia, e em seguida ele emendou uma exposição celebrando os 25 anos de um hospital de Campinas. “Após esse trabalho, senti que era algo que eu poderia fazer para sempre.” 

O início em São Paulo foi como assistente de estúdio, onde aprendeu o básico sobre sobre luz, fundos, ângulos. “Durante dois anos, praticamente não fotografei”, lembrou Parada. Surgiram alguns trabalhos publicitários, mas, aos poucos, as amizades no meio literário foram abrindo as portas das editoras, que hoje concentram sua agenda. Quando não está fotografando ou tratando fotos, ele pratica natação, vai a shows de música acompanhado da namorada, a cantora Lulina, e a retiros budistas. Profissionalmente, Parada diz não ter projetos pessoais. “Muitos me cobram, mas me sinto realizado como fotógrafo comercial. É onde coloco toda a minha energia. Me faz bem ter de agradar a outra pessoa além de mim mesmo.” 

Autora de O instante certo, que reúne 38 ensaios sobre fotografia, a premiada jornalista Dorrit Harazim é uma cliente satisfeita. “Após uma sessão malsucedida em meu escritório, ele fingiu não notar meu desconforto e encerrou o trabalho como se tivesse dado certo”, recordou ela. A prosa estava boa, e Parada caminhou com Harazim até o prédio dela — ali, junto às lixeiras da área de serviço, fez as fotos que a editora usou. “Vai entender olho de fotógrafo!”, comentou Harazim. 

Com Reinaldo Moraes, não houve tensão. A sessão de fotos “foi uma jornada memorável que terminou no bar, onde viramos amigos de infância”, disse o extrovertido autor de Pornopopeia. Há duas semanas, os retratos para o romance Maior que o mundo terminaram com um longo café. “Ele estabelece uma camaradagem. Sentou comigo e minha esposa e ficou horas contando a história dele, a infância no interior, a relação com o pai.” 

Claudemir Parada, engenheiro civil, falecido em 2011, sempre o apoiou. Renato lembra uma história do início da carreira: enquanto lamentava a falta de trabalho, o pai aleatoriamente disse que logo chamariam o filho para fotografar José Saramago. Dois dias depois, a Companhia das Letras ligou com esse pedido. “A alegria dele quando contei sobre o Saramago é uma das memórias queridas que tenho comigo. Meu pai não conseguiu ver muito minha carreira, mas dizia que eu teria uma vida bem interessante.”