Deter o movimento

Foi o encontro de dois dos maiores artistas do século XX. O fotógrafo Henri Cartier-Bresson e o escritor William Faulkner juntos na pequena cidade de Oxford, no estado norte-americano do Mississippi, para uma sessão de retratos. O ano era 1947.

Há uma foto emblemática deste encontro. Faulkner aparece com seus dois cães da raça Jack Russel Terrier. Ele está com um dos braços esticados, o corpo parece rígido. Um dos cães faz o mesmo, alongando a pata traseira, se espreguiçando, com um corpo também rígido. A foto é a síntese do estilo instante decisivo que marcou a obra de Cartier-Bresson, em que, através de uma organização das formas, é transmitido um significado essencial dos fenômenos.

Mas é outra foto desta sessão cujo fascínio nunca se esgota para mim, causando uma série de impressões e emoções difíceis de descrever.

Foto: Henri Cartier-Bresson/Magnum Photos

Foto: Henri Cartier-Bresson/Magnum Photos

Faulkner aparece apoiado em um pilar rústico de madeira de sua casa. As mãos na cintura, mais em direção às costas e uma perna flexionada fazem seu corpo ganhar um toque de fragilidade. O escritor, sempre retratado com um porte forte, masculino, parece desprotegido, despido como um São Sebastião.

Sua camisa tem uma gola estranha, meio pontiaguda, o bolso é baixo, perto da barriga, a cintura da calça é larga, segurada pelo cinto fino bem acima do seu umbigo, deixando seu tronco pequeno. São proporções estranhas, mas tudo parece tão perfeito. Irving Penn certa vez disse que todo retrato é uma fotografia de moda, e vice-versa. O que me faz sentir que essa é uma das melhores fotografias de moda que conheço. Há uma autenticidade comovente numa certa ausência de vaidade do escritor.

A própria casa, como é da natureza das casas, parece uma continuação de seu estilo. As madeiras irregulares e o pilar que parece temporário, apenas para segurar o concreto dentro, não destoa de Faulkner. Comprada na década de 30, praticamente caindo aos pedaços, foi sendo reformada com o tempo pelo próprio escritor. Rowan Oak, como é conhecida, é hoje um museu. Sob os cuidados da Universidade de Mississipi, é possível visitá-la, conhecer o quarto dos fundos onde ele trabalhava, sua máquina de escrever Underwood, as prateleiras de madeira que ele mesmo construiu para guardar os livros e até seu par de botas. Botas igualmente austeras.

Em entrevista à Paris Review, para falar sobre o movimento da vida, a passagem do tempo, questões da mortalidade em relação à criação artística, Faulkner curiosamente usa uma metáfora visual, quase fotográfica: "O objetivo de todo artista é deter o movimento, que é vida, por meios artificiais, mantendo-o fixo, de modo que, cem anos depois, quando um estranho olhar para aquilo, ele se movimenta de novo, por ser vida. Como o homem é mortal, a única imortalidade possível para ele é deixar algo atrás de si que seja imortal porque sempre vai se movimentar”.

Cartier-Bresson e William Faulkner estão mortos, mas seguem nos movimentando como nunca.