Como sair bem em fotografias

Publicado originalmente no blog da Companhia das Letras.

Trabalhar com fotografia, e especificamente com retratos, significa se relacionar com os mais diversos tipos de pessoas — e, por consequência, com suas carreiras, posições, histórias, reputações e projetos. Todos buscam algum tipo de sucesso, exposição, reconhecimento ou alguma forma de diversão que seja. E, obviamente, todos querem sair bem, interessantes na foto. Assim nasce o inferno do fotografado.

Tendo essa preocupação como ponto de partida, de ambos os lados, o encontro está fadado ao fracasso. O que acontece na maior parte do tempo. Até que, por um toque de graça da fotografia, o acaso faz surgir uma boa foto. O mérito é de algo que está além da habilidade de ambos os lados, por mais acostumados que estejam, e além do objetivo concreto — no caso, fotógrafo e fotografado tentarem vender seu peixe.

Ao fotografar escritores para a Companhia das Letras, o desafio é dobrado. Escritores têm mentes afiadas. São especialistas em identificar o clichê, o brega, o senso comum. Conscientes da dificuldade que é comunicar de modo eficaz uma mensagem relevante, vibrante e nova através da literatura, a ideia de ter sua imagem simplificada através de uma fotografia para eles é torturante. É o inferno do fotografado ao quadrado.

E eles têm razão. Nada mais ridículo do que alguém poderoso parecer poderoso, uma pessoa sexy sair com cara de sexy, um inteligente com pose de sabichão. Apesar de isso funcionar no mundo, fazer ele girar e as coisas acontecerem, para algumas pessoas não desce muito bem. Ao ver fotografias como essas, a sensação é de que o retratado acabou comendo muito feijão e ninguém quis ficar por perto.

Na tentativa de fugir do literal, o que surge é uma ausência de resposta e método que é justamente a resposta em si. No exercício de desvendar os mecanismos pelos quais uma boa fotografia acontece, para conseguir agradar o fotografado, o que se passa é uma infinidade de tentativas e alguns raros momentos de desistência completa de ambos os lados. É aí que pode surgir uma boa foto.

 

Antônio Prata

Mas não existe o desistir sem muito tentar. É criando formas de expressão que se constroem vazios prenhes de possibilidades, prontos para dar à luz. Então pode-se tentar parecer bonito, inteligente, sofisticado, poderoso, sexy, blasé, irônico, cruel, generoso, compassivo, humilde, desajustado, feliz, melancólico, escritor, atriz, modelo, empresário, bem-sucedido, fracassado, pai, filho, esposa, marido, religioso, pornográfico, feminista, ateu, vítima ou qualquer coisa que se esteja enamorado em ser.

A questão é que, apesar de momentaneamente sermos todas essas coisas, estamos além dessas simplificações que, inevitavelmente, nos causam tanto estresse. Em algum lugar pouco visitado, é possível nos encontrarmos bem, nus, leves e simples, sem a necessidade de levantar bandeiras, defender pontos de vista ou iniciar guerras. Um espaço no tempo onde finalmente desistimos. Tudo bem até mesmo sermos simplificados em uma fotografia. Acontece rápido, é raro de se perceber e difícil de sustentar. Mas ele existe. Um instante de grande alívio. E quem sabe uma boa fotografia.